
INOVAÇÃO E A COBRA QUE MORDEU O RABO
Inovação no sentido que se aplica atualmente refere-se ao
desenvolvimento de um novo produto ou processo, bem como à funcionalidade
inédita de um produto já existente, que atende a uma demanda específica do
público consumidor ou que gera nichos previamente inexistentes de mercado.
Inovação está profundamente conectada à aplicação de novos conhecimentos
associados ao desenvolvimento de ciência e tecnologia e se constitui, cada vez
mais, no principal elemento propulsor da economia mundial e diferenciador
competitivo essencial entre regiões e países.
Tradicionalmente, assume-se que as ciências pura e aplicada
podem engendrar tecnologias, as quais, a depender da capacidade de absorção do
mercado e da escala do público consumidor, podem se caracterizar como inovação.
Esta cadeia linear por muito tempo distanciou a livre e descompromissada
produção do conhecimento da extremidade oposta vinculadas às demandas do
mercado consumidor.
A realidade recente impõe que a forma de produzir
conhecimentos e de transmiti-los tem se alterado radical e profundamente.
Ciência historicamente se assenta na liberdade individual de cátedra e em
linhas de pesquisa que caracterizavam o pesquisador clássico, cuja função
primeira, isoladamente ou em conjunto com seus estudantes e raros parceiros,
tem sido alargar as fronteiras indo além do estado da arte. Em geral, a
principal motivação dos temas são os desafios inerentes à subárea, sendo as
eventuais aplicações futuras definidas em outros contextos e em tempos de
escalas diversas, a depender da linha de pesquisa específica.
O Brasil demonstrou nas últimas décadas uma capacidade
extraordinária em produzir conhecimentos dentro da estratégia acima, tendo consolidado
uma pós-graduação de qualidade e uma produção científica crescente em níveis
bem acima da média mundial em quase todas as áreas. Demonstramos capacidade em
produzir conhecimento, por outro lado, atestamos até aqui uma notável
fragilidade em transferir conhecimento ao setor produtivo, tendo como exceções
destacáveis a área dos agronegócios e raros setores industriais bem
identificados.
Para agravar o quadro, os balizadores com que se produz
ciência têm se alterado de tal forma que uma nova dinâmica impõe que as
demandas da sociedade passam a ser elementos definidores, ainda que não únicos,
dos principais programas de pesquisa. Ou seja, aquilo que até recentemente
tinha peso complementar, passa a ter preponderância inédita. Da pesquisa quase
individual passamos rapidamente às imprescindíveis redes de pesquisa, das
linhas de pesquisa quase isoladas estamos migrando para programas de natureza
multidisciplinar motivados por demandas em geral complexas, portanto,
intratáveis à luz de linhas de pesquisa ou indivíduos isolados, exigindo
múltiplos olhares e abordagens de equipes integradas oriundas de diversas
áreas.
Em outras palavras, os movimentos acima podem ser descritos
via substituição gradativa da cadeia linear, que impunha uma distância entre a
ciência e a inovação colocadas em extremidades opostas, por um círculo completo
contemplando ciência, tecnologia e inovação, onde as demandas da inovação
influenciam e de certa forma definem, a depender da área específica do
conhecimento, os rumos da ciência. É a cabeça da cobra que mordeu o rabo.
Desta reestruturação resultam novos estímulos a que o
pesquisador, adicionalmente à sua atuação clássica em universidades e centros
de pesquisa, explore espaços quase virgens no caso brasileiro em institutos
tecnológicos ou setores de pesquisa e desenvolvimento de empresas. Espaços que
por sua vez influenciam, por meio da interação com as demandas, os programas de
pesquisa e os temas selecionados para as orientações de seus estudantes.
Além de repensarmos profundamente os caminhos pelos quais
produzimos ciência, as formas pelas quais transmitimos conhecimento demandam um
repensar profundo a partir da questão de como formar profissionais aptos e
preparados para um cenário onde inovação passará a exercer uma centralidade
inédita. Nossas metodologias usuais são caracterizadas pela prática de
professores que ministram conhecimentos pressupondo aprendizes que nada sabem
da matéria específica até então, são pedagogias baseadas no estudar somente
após a aula e na prática de conferir posteriormente se o aluno aprendeu ou não.
Tais práticas são essencialmente conflitantes com o mundo da
educação permanente e são incongruentes com a revolução educacional em curso
caracterizada por uma realidade onde conhecimentos são cada vez mais
acessíveis, instantaneamente disponibilizados e gratuitamente distribuídos.
Neste novo cenário, estimular os processos auto-instrutivos em seus limites
superiores, explorar a capacidade dos estudantes em estudar antes das aulas, as
quais passam a ter uma dinâmica de outra qualidade e natureza, são ingredientes
indispensáveis aos processos formativos de cidadãos compatíveis com o mundo da
inovação.
(A figura é Ourobos, símbolo representado pela
serpente mordendo o próprio rabo, respresentando também a eternidade).
Postado originalmente por Ronaldo Mota às 17:25 by A cobra que mordeu o rabo - Teia Educacional
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